Esse discurso foi um raro brilho de esperança no túnel rumo ao Armagedom

Mariano Bastos *

                O discurso de Lula na COP27 foi radical. Foi radical para vários interlocutores e carrega uma força política que apenas a pessoa mais votada na história de uma das maiores democracias do mundo é capaz de carregar. Na fala, ressalta a necessidade de uma política ambiental sem deixar de olhar para questão social. Isso pode parecer apenas uma conciliação de agendas mas, na minha visão, ele defende uma escola de pensamento própria do Brasil: o socioambientalismo. Para muitos da academia europeia (acostumada com um ambientalismo misantrópico que, muitas vezes, é refletido em instrumento imperialista para frear o desenvolvimento dos países periféricos) esse discurso pode parecer desenvolvimentista demais para a agenda primeiro-mundista das mudanças climáticas – mas novamente, para mim, parece que Lula está no caminho certo.

Fez questão também de criticar medidas de conciliação de classes disfarçadas de políticas ambientais, além de, sem precisar citar nomes, cuspir e pisar na atuação ambiental e diplomática bolsonarista, o que pode enfurecer os eleitores do palhaço (se é que algum se deu o trabalho de ver um discurso de mais de 2 minutos). Lula demonstrou também um profundo conhecimento dos principais eventos climáticos que assomaram o planeta nos últimos anos e fez questão de ser globalista em sua fala. Disse, com todas as letras, que é necessário criar uma novagovernança global focada no socioambientalismo e, sem papas na língua, criticou o gasto bélico dos países desenvolvidos e a iminência de uma guerra nuclear ao mesmo tempo que enfrentamos o colapso ambiental.

O cefalopodo autonominado ainda deixou um recado explícito para os criminosos que atuam em nossos biomas e se colocou ao lado dos povos originários, prometendo até ministério! Não deixou, claro, de reforçar o capitalismo verde, mesmo que em uma noção nacional-desenvolvimentista que, para setores monopolizados, pode assustar bastante.

No âmbito internacional, o presidente matematicamente eleito convidou nossos irmãos de miséria a juntar forças por um futuro verde e, para os colonizadores, sinalizou que a amazônia é uma moeda valiosa e é nossa, mas que pode ser deles também – ainda se resguardando a moral de cobrá-los as ações que eles tanto nos cobram.

Por fim, pediu modernidade, criticando a lógica da própria gestão da ONU e mostrando disposição para mudar a balança da governança global.

Seu discurso foi assombroso, apavorou muitos por certo. Lula mostrou para o que veio, se apresentou como uma liderança – não mais para o Brasil, ou para a América do Sul, mas sim para todos os países insulares do terceiro mundo. Apresentou um vetor que parte do desenvolvimento e vai em direção à sustentabilidade. Claro que palavras não são promessas e é imprevisível a repercussão prática doque foi dito na COP27, mas para as gerações que assistem há décadas, impotentes, a destruição cárnica de tudo que é belo… Esse discurso foi um raro brilho de esperança no túnel rumo ao Armagedom. Para nós, que acreditamos no socioambientalismo, o sentimento é acalentador: estão olhando para nós.

 

*Mariano Bastosfiliado ao PSOL de Mogi das Cruzes – trabalha no Laboratório de Mar Profundo do IOUSP.

Mogi das Cruzes, 16/11/2022.